terça-feira, 18 de dezembro de 2012

UMA VACA FAMINTA OLHAVA O CHÃO
PROCURANDO UMA FOLHA PRA COMER


O sol quente, vermelho, enfarruscado,

um pedaço de nuvem ninguém via,
urubus rodeando a vacaria
aguardando o momento desejado,
um garrote mancando, esfomeado,
não achava mais água pra beber,
ajeitando um bezerro pra morrer
o vaqueiro chorava de emoção
- Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.

Um rebanho que antes foi boiada
padecendo do pasto a escassez,
no caminho a carniça de uma rês
pelos cães dos vizinhos disputada,
a cem metros se vê mais uma ossada
que quem olha não dá pra conhecer,
o patrão fecha os olhos pra não ver
os efeitos nocivos do verão 
- Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.

No curral uma tina de pneu,
gado magro berrando em redor dela,
um menino subindo na cancela
pra dizer a seu pai que o boi morreu,
a metade do gado o patrão deu
pra não ver pela fome se abater,  
um novilho, que o dono viu nascer,
no terreiro comendo um papelão
- Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.

O roceiro se senta na calçada
pastorando um relâmpago no nascente,
mas a noite se vai tristonhamente,
vem o dia e de chuva não traz nada,
toda sua esperança é sepultada
aguardando o pior acontecer,
o carão não cantou pra devolver
a ciência aos profetas do sertão
- Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.

A novilha dá cria, esconde a teta
pra o bezerro raquítico não mamar
e o seu dono na ânsia de salvar
vai buscar um remédio na gaveta,   
um jumento fardado de ancoreta
com cem litros de água sem puder,
ruiva e grossa e na hora de escorrer
só parece uma sopa de feijão
- Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.


Pedro Ernesto Filho

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