segunda-feira, 11 de novembro de 2013

SÓ DEIXO MEU SERTÃO NO ÚLTIMO PAU DE ARARA

“AÍ SIM... ABANDONO O MEU SERTÃO!”


Quando um dia o pequeno beija-flor
Não fizer mais seu ninho em pé de urtiga
Quando a seca que tanto nos castiga
Outra vez espalhar o seu clamor
Quando o pobre e faminto agricultor
Consumir por carência ou precisão
A semente que para a plantação
Num depósito estava reservada
Pra que veja a família alimentada
Aí sim... abandono o meu sertão!

Quando a nuvem cinzenta de poeira
Levantar-se no chão de um pé-de-vento
Quando a cabra, o cavalo e o jumento
Pra viver, não encontre uma maneira
Quando a água daquela cachoeira
Não soar mais nos vales do grotão
Quando o grito estridente do cancão
Não toar mais nos campos da devesa
Nem se ouvir mais o pio da burguesa
Aí sim... abandono o meu sertão!

Quando a vida tornar-se impossível
Quando o gado acabar no campo vasto
A caatinga estiver sem água e pasto
Quando o quadro tornar-se tão terrível
Quando a seca chegar a esse nível
Assolando essa enorme região
Quando eu ver que não tem mais condição
De arranjar suprimentos para a vida
Mesmo estando de alma combalida
Aí sim... abandono o meu sertão!

Quando o canto alegre dos nambus
Na baixada de vez for encerrado
Quando o luto invadir todo cercado
Na imagem dos negros urubus
Quando cobras, lagartos, cururus,
Já não mais habitarem meu torrão
As carcaças jogadas pelo chão
Dando um ar de tristeza ao ambiente
E diante essa cena comovente
Aí sim... abandono o meu sertão!

Quando o último campônio for embora
Com a família, no fim da madrugada
Na aurora calar-se a passarada
Saberei que afinal chegou a hora
De sair vagueando mundo afora
Amargando a cruel desilusão
Mesmo assim para o céu estendo a mão
Num pedido a Jesus que nos acuda
Ainda espero, se eu ver que nada muda
Aí sim... vou embora do sertão!

Carlos Aires

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